Artigo de opinião

Cientistas e Geração Z: conexão na era dos conteúdos curtos


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Escrito por Lisiane Müller em 11/07/23.

Cientistas e Geração Z: conexão na era dos conteúdos curtos

Atualizado em: 09/08/23

Muitas vezes conteúdos produzidos por cientistas carecem do dinamismo e do visual necessário para se conectar com jovens. Textos longos, conteudistas, com palavras acadêmicas difíceis, tudo isso pode fazer com que um conteúdo interessante pareça chato. 
 

É possível falar de ciência em formato compacto? Parece estranho pensar nisso, mas transformar pesquisas enormes em conteúdos audiovisuais de 30 ou 60s para as redes sociais tem sido uma forma cada vez mais necessária para atingir jovens e adolescentes.

As características particulares da geração Z vêm empurrando o mercado em geral para um desafio difícil: atrair a atenção de jovens que são ávidos por informações rápidas, visuais e dinâmicas. No meio de tantas marcas e serviços, como fazer para o seu produto chamar atenção? É por isso que agências de publicidade de todo o país estão se desdobrando para entender os novos comportamentos e valores de consumo dessa geração. Para pensar suas campanhas, paradigmas e modelos padrões estão sendo amplamente repensados e adaptados. Agora, se dentre especialistas em marketing e propaganda, a coisa está pegando, imaginem para a ciência?

São muitas as mudanças que as redes sociais e a democratização da internet estão trazendo para a sociedade de maneira extremamente rápida nos últimos anos. “Coaches” das mais diversas áreas, “especialistas” do Youtube, “profissão? Blogueir(a)”. Tantas transformações assim têm influenciado diretamente a rotina dos jovens e adolescentes no Brasil, impactando também nos seus interesses na escola e sobre ciência e estudos científicos.
 

A ciência é chata?


A ciência em si não é necessariamente chata, pelo contrário. Fazer experimentos, estudar diferentes formas de vida, observar o universo são atividades dinâmicas e estimulantes que geram curiosidade nas mais diversas pessoas há décadas. Mas a forma como algumas pesquisas científicas são apresentadas pode parecer complexa demais ou distante do interesse de um público em geral. E é aqui que o entretenimento e, atualmente, as redes sociais atravessam a ciência.
 

Em uma campanha de marketing, o objetivo central de uma ação é voltada para promoção de um produto, de um serviço ou até de uma organização, e a finalidade é alcançar e influenciar um público-alvo em específico. Uma campanha bem sucedida, possui, geralmente, a pretensão de criar conscientização para algo, construir relacionamentos e confiança, gerar interesse e incentivar ações específicas dos clientes. Não se trata apenas de impulsionar o crescimento e o sucesso de um negócio.  E, neste sentido, podemos traçar semelhanças importantes entre uma campanha de marketing e ações de divulgação científica.


A peça-chave para tornar a ciência mais interessante ao olhar do público está na forma como ela é comunicada. Estar conectado às tendências de entretenimento/publicidade que bombardeiam os usuários das redes sociais todos os dias é um passo eficaz para que cientistas alcancem mais pessoas. Por exemplo, as gerações mais jovens, como os Millennials e a Geração Z, cresceram em um mundo digital e estão acostumadas com o acesso rápido à informação por meio da internet.

Há muito pouco tempo, instituições, laboratórios e cientistas costumavam possuir apenas sites para divulgação dos seus trabalhos. Mas nos últimos anos, houve uma pressão para que esses atores estivessem nas plataformas digitais. Para alcançar essas faixas etárias, a ciência precisou explorar outros ambientes que não os dos museus e das feiras de ciências. Foi preciso marcar presença também nas plataformas digitais. E essa importante presença demandou e vem demandando de pesquisadores e divulgadores uma nova atribuição: a produção constante de conteúdo. Sejam vídeos para o YouTube, imagens para o Instagram e Facebook, ou até produção de materiais para outros aplicativos mais interativos, como o TikTok e o Twitter.
     
Mas como fazer isso com cientistas divulgadores que possuem pouco ou nenhum contato ou conhecimento com técnicas de comunicação, jornalismo, marketing? Muitas das dificuldades que encontramos hoje em relação a esse tema, poderiam ser mitigadas com uma resolução um tanto simples: maior interdisciplinaridade entre esses profissionais. Muitas vezes conteúdos produzidos por cientistas carecem do dinamismo e do visual necessário para se conectar com jovens. Textos longos, conteudistas, com palavras acadêmicas difíceis, tudo isso pode fazer com que um conteúdo interessante pareça chato. 
 

Como pensar a divulgação científica em tempos de Geração Z?
 

Ocupar as redes sociais é um passo importante para se comunicar com a "GenZ". No entanto, isso por si só não é suficiente. É crucial estabelecer uma conexão entre a ciência e tendências atuais, possibilitando assim que cientistas se comuniquem ~ efetivamente ~ para além dos limites acadêmicos. Esta é uma regra que muitas páginas de ciência têm dificuldade. Outro ponto  essencial é que a criação de conteúdo precisa ser voltada para as pessoas e não para si mesmo. Ou seja, não basta acreditar que o seu conteúdo é incrível: é necessário que ele seja atrativo para o público-alvo. Por exemplo, se você é um(a) pesquisador(a) entre 30 e 35 anos, será difícil criar conteúdo alinhado com as tendências mais populares nas redes sociais entre jovens e adolescentes sem a realização de pesquisa prévia. Se o objetivo é realmente causar um impacto positivo em relação à ciência nessas pessoas, é de fundamental importância evitar esse tipo de desconexão.

Mas como os cientistas brasileiros têm encarado essas mudanças e pressões sobre comunicação? Atualmente, eu apontaria três tipos de comportamentos principais:

  • Alguns reconhecem a importância de comunicar suas pesquisas para um público jovem em geral, porém, não acreditam que precisam estar ativamente envolvidos nesse processo. Eles estão presos na ideia de que "essa não é a função de um(a) cientista". 
  • Outros reconhecem a importância da comunicação, mas não possuem “tempo, recursos, mão de obra e/ou conhecimentos” suficientes para se comunicarem de maneira eficaz. Produzem conteúdo, porém, pouco alinhado com os interesses de seu público. (Ás vezes, nem sabem dizer qual seria o seu público-alvo).
  • E há aqueles que já estão atentos às tendências e se esforçam para se comunicar com os jovens. Eles produzem, pesquisam e buscam ativamente informações sobre o assunto. Apesar das dificuldades, estão cada vez mais preparados para explorar essa interdisciplinaridade.
     

Foi sempre assim?
 

Qual é a atividade mais importante entre cientistas de sucesso? Pense por alguns segundos.....

São as publicações, certo? Pesquisadores estão acostumados a passar pelo longo processo de planejamento e execução de um projeto, sendo a etapa final mais importante a de publicar os resultados em uma revista especializada. Se tudo correr bem e a pesquisa progredir sem contratempos, a publicação será aceita em uma revista internacional de alto impacto. Nesse ponto, o processo "tradicional" de comunicar ciência chega ao seu ápice. Embora seja possível que o cientista mencione a publicação em seu currículo Lattes, em um congresso ou em um site institucional, não há uma procura ativa por leitores interessados em consumir tal material. O fluxo de informação ocorre de maneira passiva: estudantes e pesquisadores que buscam referências na área podem, eventualmente, encontrar tal estudo.
 

No mundo da comunicação e divulgação científica, esse fluxo é invertido. O cientista divulgador precisa assumir a responsabilidade de buscar ativamente o seu público, criando conteúdos que sejam altamente atrativos. Quanto mais estimulante e alinhado com as tendências de interesse do público-alvo, maior será a probabilidade de gerar um impacto positivo. O que isso significa? Significa que é natural estarmos confusos e resistentes à necessidade de que cientistas precisam se envolver ativamente também com comunicação. Mas precisamos superar esse momento, afinal, a pressão para que cientistas publiquem resultados não apenas no âmbito acadêmico, mas que compartilhem também com o público amplo no digital é uma nova realidade que tende a se intensificar cada vez mais.

   
À medida que casos de fake news e informações pseudocientíficas se multiplicam e se espalham pelas redes, aumenta a necessidade de que a ciência refute essas informações incorretas. Nos últimos anos, por exemplo, é bem provável que você já tenha se encontrado em situações de argumentação com pessoas com visões negacionistas. Essas situações refletem um problema central da nossa atualidade: a expansão digital que está ocorrendo sem um devido letramento digital. Qualquer pessoa hoje pode fazer afirmações online e encontrar seguidores. Por essa razão, cientistas tem sido cada vez mais procurados para fornecer informações baseadas em evidências, desmascarando mitos e transmitindo conhecimentos científicos de maneira mais ampla e compreensível possível. 
 

Por fim…
 

É essencial reconhecer que a Geração Z possui suas próprias preferências e maneiras de consumir informações, e é dever da ciência adaptar suas estratégias de comunicação para atender a essas novas demandas. É importante quebrar a barreira do pensamento tradicional e experimentar abordagens criativas, incorporando elementos de entretenimento e tornando o conhecimento cientifico mais envolvente e acessível para aqueles que farão parte da próxima geração de cientistas no Brasil. Somente por meio de colaboração e da inovação poderemos inspirar e envolver esses jovens, despertando neles o amor pela ciência e capacitando-os a se tornarem os pesquisadores que moldarão nosso mundo e enfrentarão tantos desafios globais.

Se você é cientista, não veja a junção entre a divulgação científica e o entretenimento com estereótipos. Olhe para eles de uma maneira estratégica e em um sentido amplo. Estamos vivendo mudanças sociais significativas e, nesse momento, temos a oportunidade de impactar digitalmente as futuras gerações de cientistas. Gerações anteriores não puderam fazer isso. Você pode até optar por não ser um(a) divulgador(a) científico, mas ainda assim pode contribuir para promover o desenvolvimento da comunicação entre o meio acadêmico e nossa sociedade. Estimular Institutos e laboratórios a formarem suas próprias equipes de comunicação e marketing, e exercer pressão para que o governo e as agências de fomento disponibilizem cada vez mais bolsas nesse sentido são algumas das iniciativas a serem consideradas. Dessa forma, estudantes terão a oportunidade de desenvolver habilidades de comunicação científica desde a graduação, capacitando-se para se tornarem profissionais mais engajados e eficazes na disseminação do conhecimento científico. Estamos em um momento de mudança e cada um de nós pode e deve ser um agente de transformação nesse processo.
 

Olá! Adoraríamos ouvir suas considerações sobre este assunto. Sinta-se à vontade para se juntar à conversa,  compartilhando suas ideias conosco nos comentários.🔽

Lisiane Müller

Lisiane Müller


Comunicadora científica do Coractium. Bioarqueóloga, pós-graduanda em Data Science e Analytics na USP-Esalq, Mestra em Ciências pelo Departamento de Genética e Biologia Evolutiva da USP (2021) e Bacharela em Ciências Biológicas pela UNIRIO (2014). Atualmente, estou focada em projetos de comunicação pública de ciência, com ênfase em inovação, dados, educação digital, produção multimídia e programação.


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